Responsabilização por improbidade de sócios e administradores de empresas que contratam com a Administração Pública

A Lei nº 8.429/1992, chamada Lei de Improbidade Administrativa, estabelece o regime de responsabilização de agentes públicos e privados por atos de improbidade. Após quase 30 anos, a sua redação foi alterada pela Lei nº 14.230/2021, que trouxe aspectos importantes, em especial quanto ao elemento subjetivo da responsabilização. 

Neste artigo, analisamos as alterações feitas à Lei de Improbidade Administrativa quanto à responsabilização de dirigentes de empresas privadas que contratam com a Administração Pública, sob a ótica do Direito Administrativo Sancionador. 

I. As alterações à Lei de Improbidade Administrativa em prol de um regime mais garantista 

O regime de responsabilização por improbidade administrativa estabelecido pela Lei nº 8.429/1992 visa tutelar a probidade na organização do Estado e no exercício das funções públicas, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social (cf. art. 1º, da LIA, na redação atribuída pela Lei nº 14.230/2021). Trata-se de concretização do comando constitucional de moralidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB), cujas consequências foram expressamente previstas no art. 37, §4º, da CRFB.  

É fora de dúvida que a proteção dos direitos e interesses difusos e coletivos previstos na Constituição justifica uma postura firme dos legitimados para a propositura da ação de improbidade. Mas disso não se extrai um aval para todo e qualquer tipo de investida. Há condições, limites e cautelas necessários, sobretudo porque o mero ajuizamento dessa ação importa em efeitos extremamente gravosos para aqueles que são demandados. Ser réu em ação de improbidade é per se uma pecha1 e as medidas cautelares e sanções passíveis de serem aplicadas são bastante severas.2 É dizer: justifica-se um olhar mais garantista, voltado a evitar e combater excessos, incongruências, desvios de finalidade e injustiças.3 Até porque tais distorções, ao final, geram consequências maléficas não apenas para os réus da ação de improbidade, mas para o bom exercício da função pública.4 

Passadas quase três décadas de vigência da LIA, as preocupações quanto à definição de um regime mais criterioso para a improbidade culminaram na edição da Lei nº 14.230/2021, que promoveu uma ampla reforma na Lei nº 8.429/1992. O propósito foi robustecer a tutela de direitos e garantias fundamentais e promover maior segurança jurídica a gestores públicos e terceiros. Foi assim que, a partir da Lei de 2021, o legislador deixou expresso, por exemplo, que se aplicam “ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador” (art. 1º, §4º), justificando a incidência de um regime jurídico mais protetivo, pautado diretamente pelos princípios e garantias fundamentais extraídos da Constituição. 

Assim é que o exercício da pretensão punitiva deverá ocorrer em estrita consonância com o princípio da legalidade, sob o viés da tipicidade (5º, II e XXXIX, e 37, caput da CRFB); com as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIII, LIV e LV, da CRFB); e com outros princípios materiais igualmente relevantes, como os da culpabilidade e da pessoalidade da sanção (art. 5º, XLV, CRFB); da individualização da sanção (art. 5º, XLVI, CRFB); e da razoabilidade e da proporcionalidade (extraídos da cláusulas do Estado Democrático de Direito e do devido processo legal, em sua dimensão material, cf. arts. 1º e 5º, LIV, CRFB).5

II. A responsabilização de sócios e administradores de empresas à luz da Lei de Improbidade Administrativa 

Em coerência com o espírito garantista da Constituição e com o objetivo de evitar o ajuizamento de ações temerárias, desprovidas de justa causa, uma importante alteração promovida pela Lei nº 14.230/2021 foi a inclusão de parâmetros mais rígidos para a responsabilização de dirigentes, sócios e administradores de empresas privadas que figurem no polo passivo de ações de improbidade administrativa. 

Como regra geral, sócios e administradores não respondem diretamente por infrações imputáveis à pessoa jurídica contratada pela Administração Pública. Não se pode confundir o ato de uma pessoa jurídica com a pessoa física que age em nome dele. Segundo o art. 49-A do Código Civil, a pessoa jurídica não se confunde com seus sócios, associados, instituidores ou administradores.6 A pessoa física, nesses casos, tem a função primordial de corporificar a sociedade, executar a vontade social, e, quando atua regularmente no âmbito de seu poder de gestão,7 não deve responder civil ou administrativamente, salvo nos casos em que a legislação assim impuser de forma expressa. 

As hipóteses excepcionais de superação dessa regra – quando será possível atingir o patrimônio pessoal dos sócios e administradores – remetem à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity),8 disciplinado no art. 50 do Código Civil9 e no incidente previsto nos arts. 133 e seguintes do Código de Processo Civil. O objetivo do instituto é buscar o equilíbrio entre, de um lado, a autonomia da pessoa jurídica e, de outro, a proteção da sociedade contra o seu uso indevido.10 Por meio desse instituto, a responsabilidade pessoal dos administradores é imputada apenas quando houver indícios de irregularidade na administração da pessoa jurídica, seja por desvio de finalidade (isto é, o uso da pessoa jurídica para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos, abusivos ou fraudulentos),11 seja por confusão patrimonial.12 Quando não comprovadas tais circunstâncias, a responsabilidade recairá, única e exclusivamente, sobre a pessoa jurídica que cometeu a conduta que se conclua ilícita. 

No caso da Lei de Improbidade Administrativa, a redação original do art. 3º da Lei nº 8.429/1992 estabelecia que a LIA também seria aplicável àquele que, “mesmo não sendo agente público, induz[isse] ou concorr[esse] para a prática do ato de improbidade ou dele se benefici[asse] sob qualquer forma direta ou indireta”.13 Conquanto o dispositivo não fizesse distinção entre a pessoa jurídica que concorresse com o ato de improbidade e a pessoa física de seus colaboradores, fato é que a jurisprudência, guiada pela noção geral da segregação das personalidades jurídicas e pelos princípios do direito administrativo sancionador, já impunha standards mais robustos para a condenação de particulares pessoas físicas, exigindo a comprovação de percepção de benefícios que ultrapassassem a esfera patrimonial da sociedade empresária e a individualização da conduta.14 

Com a nova redação trazida pela Lei nº 14.230/21, o regime de responsabilização pessoal desses dirigentes passou a ser ainda mais específico e exigente, acrescentando parâmetros relevantes para que pessoas físicas (que não sejam agentes públicos) figurem no polo passivo de uma ação de improbidade. O caput do art. 3º, em sua nova redação, estabelece que será aplicável o regime de improbidade administrativa àquele que “induza ou concorra dolosamente para a prática do ato” (g.n.). Em seguida, o § 1º estabelece que sócios, cotistas, diretores e colaboradores respondem pelo ato que venha a ser imputado à pessoa jurídica “se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação” (g.n.).15 Além disso, para a desconsideração da pessoa jurídica, deverão ser observadas as regras sobre o incidente estabelecidas nos arts. 133 e seguintes do Código de Processo Civil (cf. art. 17, §15, com redação atribuída pela Lei nº 14.230/21).16 

Daí se extrai uma diretriz de grande relevância em relação a terceiros que agem em nome de pessoas jurídicas, e a quem porventura sejam imputados atos de improbidade: a regra é a segregação das esferas de responsabilidade. A responsabilização pessoal dos dirigentes é excepcional. Nesse sentido, consoante disciplina legal da LIA em sua atual redação – aplicável às ações em curso sem trânsito em julgado17 –, os colaboradores da pessoa jurídica somente poderão ser incluídos no polo passivo da ação de improbidade quando cumpridos, cumulativamente, quatro requisitos: (i) existência de dolo específico, tendo em vista as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 no sentido da exclusão da modalidade culposa de improbidade administrativa;18 (ii) comprovação de participação direta no ato; (iii) auferimento de benefícios diretos; e (iv) individualização da conduta, uma vez que a responsabilidade deve observar os estritos limites da participação do agente.  

A necessidade de comprovação de que o agente teve participação direta no ato e que dele auferiu benefício direto impõem um ônus adicional a quem ajuíza e a quem julga a ação de improbidade. Para fins de responsabilização pessoal, a posição ocupada pelo dirigente não gera presunção de participação no ato19 e de auferimento de benefícios indevidos.20  

Portanto, a responsabilização por improbidade administrativa exige o exame das complexas relações existentes dentro da estrutura empresarial para se verificar, de modo concreto, se a conduta individualizada do agente levou à prática do ato ímprobo e se desse ato decorreu, para o dirigente, um benefício pessoal. Na ausência de tais requisitos, a responsabilização pessoal de sócios e diretores será inviável. 

  1. SUNDFELD, Carlos Ari; VORONOFF, Alice. “Art. 27 da LINDB: Quem paga pelos riscos dos processos?”. In: Revista de Direito Administrativo, Edição Especial, nov. 2018, p. 174.  ↩︎
  2. MENDES, Gilmar Ferreira. Supremo Tribunal Federal e improbidade administrativa: perspectivas sobre a reforma da lei 8.429/1992. In: MENDES, Gilmar Ferreira; A CARNEIRO, Rafael de A. Nova Lei de Improbidade Administrativa: inspirações e desafios. Portugal: Grupo Almedina, 2022. p. 41-58.  ↩︎
  3. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; GARCIA, Flávio Amaral. A principiologia no Direito Administrativo Sancionador. Revista brasileira de Direito Público – RDBP. Belo Horizonte, ano 11, n.43, pp. 9-28, out/dez 2013.  ↩︎
  4. Refere-se, usualmente, a um “direito administrativo do medo”, que levaria ao “apagão das canetas”. A título de exemplo, vejam-se: GUIMARÃES, Fernando Vernalha. “O Direito Administrativo do Medo: a crise da ineficiência pelo controle”, in Revista Colunistas – Direito do Estado, n. 71, 2016. Disponível em www.direitodoestado.com.br, acesso em 24.12.2023; CAMPANA, Priscilla de Souza Pestana. “A cultura do medo na administração pública e a ineficiência gerada pelo atual sistema de controle”, in Revista de Direito – Viçosa, vol. 09, n. 01, 2017 pp. 189-216; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. FREITAS, Rafael Véras. “O artigo 28 da nova LINDB: um regime jurídico para o administrador honesto.” Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mai-25/opiniao-lindb-regime-juridico-administrador-honesto, acesso em 26.12.2023. SUNDFELD, Carlos Ari. Uma lei geral inovadora para o Direito Público. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/uma-lei-geral-inovadora-para-o-direito-publico-31102017, acesso em 26.12.2023. ↩︎
  5. OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais. 2020, p. 167; VORONOFF, Alice. Direito administrativo sancionador no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018. ↩︎
  6. Ainda segundo o parágrafo único do art. 49-A do Código Civil: “A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”. ↩︎
  7. Segundo o art. 1.015 do Código Civil: “Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.↩︎
  8. MORAES, Flavia Albertin. “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica e o processo administrativo punitivo”. In: Revista De Direito Administrativo, nº 252, Rio de Janeiro: FGV, 2009, p. 60/63. ↩︎
  9. Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. §1º. Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. § 3º. O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. § 4º. A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. § 5º. Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.” (g.n.) ↩︎
  10. SARAI, Leandro. “Disregard doctrine e sua aplicação pela Administração Pública”. In: A&C – Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Belo Horizonte, ano 15, nº 62, 2015, p. 195. ↩︎
  11. STJ, REsp nº 1225840, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. em 10/02/2015, DJe 27/02/2015. ↩︎
  12. BAGGIO, Andreza Cristina; LENHARDT, Willian Padoan. “Sobre a instrumentalidade da personalidade jurídica no novo Código de Processo Civil”. In: Revista Brasileira de Direito Processual – RDBPro, Belo Horizonte, ano 24, nº 95, p. 17. ↩︎
  13. Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. ↩︎
  14. Nesse sentido: STJ, REsp n. 1.127.143/RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. em 22/06/2010, DJe de 03/08/2010.  ↩︎
  15. Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) § 1º Os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)”. ↩︎
  16. “Art. 17, § 15. Se a imputação envolver a desconsideração de pessoa jurídica, serão observadas as regras previstas nos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)”. ↩︎
  17. Aplica-se, aqui, a mesma lógica do princípio tempus regit actum utilizada pelo STF ao definir o Tema nº 1.199 da repercussão geral. Da mesma forma que, “em virtude ao princípio do tempus regit actum, não será possível uma futura sentença condenatória com base em norma legal revogada expressamente”, também incidem sobre o caso concreto as condicionantes de legitimidade passiva estipuladas na Lei nº 14.230/21. ↩︎
  18. Na redação original da LIA, era imprescindível a demonstração do dolo do agente para caracterizar os atos de improbidade que importassem em enriquecimento ilícito (art. 9º) e violação aos princípios da Administração Pública (art. 11). Apenas quanto às condutas do art. 10 (atos de improbidade que causadores de lesão ao erário) se admitia sua faceta culposa, diante de previsão expressa nesse sentido. A alteração trazida pela Lei nº 14.230/21 excluiu a possibilidade de responsabilização pela modalidade culposa, passando a exigir comprovação, em qualquer caso, de dolo específico (cf. art. 1º, §§1º a 3º; art. 3º, caput; art. 17, § 6º, II; e art. 17-C, §1º, todos da LIA, em sua atual redação). ↩︎
  19. Vide a jurisprudência do e. TRF-2: TRF-2, Apelação/Remessa Necessária nº 0021101-22.2003.4.02.5101/RJ, Relatora: Des. Vera Lucia Lima da Silva, Sexta Turma Especializada, D.J.: 05/09/2023; TRF2, Apelação Cível 0009195-95.2009.4.02.5110/RJ, Relatora Des. Vera Lúcia Lima da Silva, Sexta Turma Especializada, D.J.: 05/09/2023. ↩︎
  20. Voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, Primeira Turma, no julgamento do AgInt no REsp 1749669/SC, de relatoria da Ministra Regina Helena, D.J.: 06/12/2018. ↩︎

A consensualidade abusiva no Direito Administrativo: notas iniciais de teorização

O Direito Administrativo tem apostado na utilização de métodos consensuais em suas diversas frentes de aplicação. Contudo, não é incomum que acordos administrativos firmados com particulares, revestidos de um suposto lastro de consensualidade, escondam, na realidade, imposições unilaterais do Estado.

Eis a reflexão que serviu de mote para o artigo “A consensualidade abusiva no direito administrativo: notas iniciais de teorização”, de autoria do nosso sócio André Cyrino, em parceria com Felipe Salathé, publicado na Revista de Estudos Institucionais.

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Instrução Normativa TCU nº 94, de 2024: um benfazejo alinhamento de vocações institucionais 

Em fevereiro passado, o Tribunal de Contas da União aprovou a Instrução Normativa (IN) nº 94, para disciplinar sua atuação no âmbito do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) celebrado, em agosto de 2020, com a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), sob a coordenação do Supremo Tribunal Federal. Sem dúvida, a IN é mais um importante passo no alinhamento de interesses e vocações institucionais necessário ao combate à corrupção.  

A consensualidade já se espraiou também para o âmbito do poder sancionador estatal. Dentre os possíveis instrumentos consensuais celebrados entre o Estado e o sujeito ativo da conduta ilícita praticada, encontra-se o acordo de leniência anticorrupção1, que, além de ser meio para alavancar investigações e posteriores responsabilizações estatais, serve para desestimular práticas corruptivas, mediante a concessão de benefícios.  

Impasses surgem quando as diversas instituições legitimadas para atuar nesse âmbito decidem manusear tal instrumento a seu critério. É que há uma multiplicidade institucional no combate a ilícitos associativos, que se justifica2, mas que pode gerar efeitos paradoxais: ao invés de fortalecer as ferramentas da Lei nº 12.846/2013, incluindo o acordo de leniência (previsto em seu art. 16), o resultado pode ser o seu descrédito. 

Nesse contexto, o ACT buscou fomentar, de modo inovador, uma cultura de cooperação, coordenação e harmonia entre as diversas instituições públicas de controle atuantes no sistema anticorrupção. Tanto assim que o acordo estipulou princípios específicos que vão ao encontro justamente com a forma consensual estabelecida de enfretamento aos atos corruptivos: (i) colaboração, lealdade, boa-fé objetiva e proteção da confiança entre Estado e pessoa jurídica colaboradora; (ii) segurança jurídica; (iii) efetividade, eficiência e celeridade; (iv) busca do consenso; (v) busca do interesse público; (vi) preservação da empresa e dos empregos, continuidade das atividades; (vii) objetividade; (viii) razoabilidade e proporcionalidade; (ix) non bis in idem, admitindo-se a possibilidade de compensação; dentre outros.  

Também se sabe que, a despeito da intenção de se compatibilizarem as diversas iniciativas institucionais, nem todos os legitimados endossaram os termos estabelecidos no referido acordo. Ainda em 2020, o Ministério Público Federal (MPF) editou a Nota Técnica de nº 02, na qual externalizou sua decisão por não aderir aos termos do ACT, por alegada incompatibilidade “com as atribuições cíveis (e criminais) do Parquet dentro do contexto do Sistema Brasileiro de Corrupção”.3 Sentido oposto ao tomado pelo TCU, que, na Sessão Plenária de 03 de fevereiro de 2021, constituiu grupo de trabalho com diferentes unidades técnicas internas para a regulamentação dos temas abordados no ACT e seu fortalecimento. 

Daí surgiu a IN nº 94/2024. Após um longo e intenso diálogo institucional com a CGU/AGU4, a Corte de Contas estabeleceu procedimentos específicos de compatibilização de interesses federais5, com destaque para: (i) a troca de informações essenciais na fase de negociação do acordo de leniência com a CGU/AGU; (ii) a estimação, antes das assinaturas, dos danos decorrentes de fatos revelados na negociação de acordos de leniência  sujeitos à jurisdição do TCU, em apoio a cálculos já confeccionados pelo controle interno; (iii) a adoção de parâmetros efetivos de apuração de eventual dano a ser endereçado em negociação, com a CGU/AGU, para a avença; (iv) limites à utilização de informações repassadas à Corte de Contas previamente à assinatura do acordo; (v) a alavancagem de ações de controle em relação a terceiros e a sua responsabilização após a celebração do acordo de leniência no âmbito do próprio TCU; (vi) mecanismos de compensação de valores com aqueles apurados pela CGU/AGU, para evitar bis in idem;; e (vii) apuração de fatos que importem em descumprimento do acordo, pelos métodos de controle externo. 

Diante das novidades, há cinco pontos que merecem maior destaque.  

Primeiro, o fato de que o compartilhamento inicial de dados, da CGU/AGU para o TCU, é mais delimitado. Fixando momentos cruciais para o fornecimento de informações, a Instrução estabeleceu: (i) no início das negociações, após a designação de comissão pela CGU/AGU, o envio de informe contendo o nome das pessoas jurídicas proponentes, eventuais números de processos de controle externo declarados pelas pessoas jurídicas e um resumo dos fatos relatados; e, (ii) durante as investigações, quando já houver uma delimitação do escopo fático do acordo, um relato dos atos lesivos declarados pelos próprios proponentes (arts. 2º a 4º da IN nº 94). Isso quer dizer que o repasse de informações entre as instituições não mais envolve possíveis tratativas do acordo. É que, diferentemente da IN nº 83, de 2018 (revogada6), que estipulava a obrigação da autoridade competente de fornecer quaisquer informações e documentos requisitados pelo TCU – o que poderia incluir tratativas –, a nova instrução delimitou informações essenciais a serem compartilhadas entre as instituições, sem excessos.7  

E a contrapartida prevista foi a remessa à CGU/AGU, após deliberações internas no TCU, de informações pertinentes e valores dos débitos discriminados por processos de controle externo, estágio processual e irregularidade, envolvendo a proponente do acordo (art. 5º da IN nº 94). 

Segundo, a fixação de momento oportuno para a ingerência contábil do TCU no acordo anticorrupção. A IN nº 94 previu que a manifestação do TCU a respeito dos fatos e valores constantes do procedimento administrativo se dará após a comunicação da CGU/AGU, acompanhada da documentação suficiente, de que o acordo está pronto para ser assinado. Ou seja: a manifestação da Corte de Contas sobre se os valores informados no acordo atendem aos critérios de apuração do dano e ao comando de ressarcimento, bem como sobre os impactos dos termos estipulados nos processos de controle externo envolvendo a proponente, só ocorrerá na fase final da celebração do acordo, depois das negociações (art. 6º, da IN nº 94).8 Tal delimitação institucional é de extrema relevância, por assegurar que as negociações entre a pessoa jurídica proponente e a CGU/AGU ocorram sem interferências desnecessárias.  

Pense-se na prática: a pessoa jurídica procura a CGU/AGU para propor a negociação do acordo de leniência anticorrupção. Após a qualificação, as negociações se iniciam, com a preliminar troca de informações com o TCU, em auxílio. Finalizadas as tratativas, sob sigilo, a CGU/AGU, próxima da celebração do acordo com as assinaturas definitivas, acessa, novamente, a Corte de Contas, com documentação contendo: (i) a relação dos atos ilícitos integrantes do escopo do acordo, com a indicação dos processos de controle externo que eventualmente tratem da matéria, se houver; e (ii) os valores de ressarcimento negociados e de sanções imputadas, discriminados por ato ilícito e por ato/contrato, com a respectiva fundamentação, memória de cálculo e eventuais documentos de suporte das quantias apuradas. Isso para que, em seguida, o TCU estime o dano, com a mesma metodologia de quantificação de superfaturamento (art. 7º, §1º, da IN nº 94, 2024), e impacte os processos existentes e em via de serem instaurados na própria Corte (art. 15, da IN nº 94, 2024) – desdobramentos expostos adiante.  

Terceiro, merece destaque o fato de que a IN nº 94 designou unidade técnica específica para atuar nos acordos de leniência (art. 6º) e limitou a utilização, por ela, de informações obtidas previamente à assinatura do trato (art. 129). Mais: apontou que, caso os valores apurados de dano estejam contemplados, de modo devido, no acordo de leniência, a unidade poderá propor10 (i) o sobrestamento dos processos em relação ao colaborador, quanto às irregularidades abarcadas no escopo do acordo, nos casos em que for estabelecido o pagamento parcelado dos débitos, com a futura quitação condicionada ao pleno cumprimento do avençado; (ii) o arquivamento dos processos, desde que comprovado o efetivo pagamento dos respectivos danos em parcela única; (iii) a instauração de processo de acompanhamento do cumprimento do acordo, nos casos em que for acordado o pagamento parcelado dos débitos relativos a irregularidades não constantes de processo de controle externo; e (iv) a não instauração de ação de controle externo, quanto às irregularidades previstas no acordo e não contempladas em processo aberto, desde que comprovado o pagamento integral11 do dano em parcela única – cf. arts. 15 e 16 da IN nº 94. Em suma: o acordo de leniência anticorrupção celebrado com a CGU/AGU, para além do suporte recebido pelo TCU nas negociações, gera impactos diretos no próprio controle externo, incluindo a não aplicação de sanções.12 

Quarto, destaca-se a alavancagem de investigação em face de terceiros envolvidos nas condutas abarcadas pelos acordos de leniência (art. 17 da IN nº 94) e suas eventuais responsabilizações (art. 24 da IN nº 94). A Corte de Contas aproveitou a sua atribuição de analisar as informações repassadas pela CGU/AGU (com vista à apuração do valor devido a título de ressarcimento) para fomentar a abertura de outros processos ou ações de fiscalização contra atores que não a colaboradora. Com um detalhe importante: a análise de viabilidade da nova investigação e a responsabilização dela oriunda só alcançariam terceiros, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, após a celebração do acordo, diante de elementos suficientes de prova e fatos fornecidos.   

Quinto e último ponto a ser enfatizado: o TCU previu a possibilidade de compensar ou abater multas já pagas no acordo de leniência celebrado com a CGU/AGU, desde que envolvam as mesmas irregularidades – a fim de evitar bis in idem13 (art. 25 e 26, da IN nº 94). Também estipulou a possibilidade de suspensão dos benefícios – em especial, aqueles indicados no terceiro ponto acima – no caso de inadimplência da empresa colaboradora em relação ao pagamento dos valores acordados (art. 27, IN nº 94).  Mas não só. Influenciada pelas modificações recentes da LINDB (art. 20), a instrução arrematou: “[a] decisão do TCU (…) deve levar em conta as consequências jurídicas e administrativas de eventual decretação de inadimplência e do prosseguimento do processo de sancionamento (…)” (art. 27, §2º).  

*** 

Pelo exposto, pode-se dizer que a IN nº 94, de 2024, regulamentou a atuação do TCU na celebração do acordo de leniência anticorrupção, em consonância com o ACT, e delimitou a própria atuação institucional de controle externo nos pactos administrativos, em alinhamento benfazejo com as atribuições legais da CGU/AGU. Uma postura festejável, tendo em vista a importância da utilização de tal instrumento consensual para o combate a um fenômeno que há muito corrói as relações sociais e econômicas do nosso país (senão do mundo).14 Em boa hora, a Corte de Contas alinhou seus interesses institucionais com os da CGU/AGU, em respeito ao arcabouço normativo existente e ao interesse público.  

Afinal, ou as múltiplas instituições se alinham, de modo coordenado e harmônico, ou o desentendimento entre elas desencadeará a prevalência de determinado interesse institucional pelo olhar unilateral de um Juiz.  

1 No nosso ordenamento jurídico, há, ao todo, quatro tipos de acordos de leniência: (i) o do direito concorrencial, oriundo das alterações de 2000 na Lei nº 8.884/94 (atualmente estruturado pela Lei nº 12.529/2011), manejado pelo CADE; (ii) o do combate à corrupção, constante no art. 16 da Lei Anticorrupção (tema deste artigo);  (iii) o do sistema financeiro nacional, embasado pela Lei nº 13.506/2017 e manejado pelo Banco Central e pela CVM (último a ser implementado); e (iv) o de competência implícita do Parquet (que é objeto de controvérsias), com fundamentação que remete à legitimidade do MPF para a proteção da probidade administrativa e do patrimônio público e social (art. 129, III, e art. 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal). 

2 Tal como definido pelo Guia do Programa de Leniência Anticorrupção da Controladoria-Geral da União: “[o]s ilícitos associativos (perpetrados por múltiplos agentes em conluio), como é o caso daqueles previstos na LAC, apresentam características próprias que dificultam sua repressão pelas vias usuais, como a sofisticação dos instrumentos utilizados para esconder as práticas ilícitas e a complexidade da organização”. 

3 Disponível em: https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr5/notas-tecnicas/docs/nota-tecnica-2-2020-acordo-de-cooperacao-acordo-de-leniencia-final.pdf 

4 Isso porque o ACT, com base no § 10 do art. 16, da LAC, consagrou um verdadeiro protagonismo da CGU/AGU para a celebração do acordo de leniência anticorrupção, tal como reconhecido pelo próprio TCU: “[c]omo é sabido, o TCU não é parte dos acordos de leniência anticorrupção. Conforme visto, tais instrumentos são celebrados pela CGU, no âmbito do Poder Executivo federal, tendo como efeito a remissão ou atenuação das penas especificadas na Lei 12.846/2013 (…)” (TCU, Acórdão nº 239/2024 –Plenário, Rel. M. Benjamin Zymler, j. 21 de fevereiro de 2024; grifos nossos).

5 Da mesma forma que estipula o ACT, em suas ações operacionais.  

6 A revogação expressa foi feita pela IN nº 95, de 2024, do TCU. 

7 Em verdade, a nova instrução delimitou a atuação da instituição de controle externo apenas quanto àquilo que, institucionalmente, é capaz de contribuir, de modo efetivo. Como delineado pelo próprio TCU: “Isso implica dizer que uma determinada irregularidade estará sujeita simultaneamente à responsabilização administrativa da CGU/AGU, com base na LACE, e à responsabilização financeira do TCU, se os atos ilícitos forem cometidos por pessoas jurídicas privadas contra a administração pública federal e, alternativamente, derem causa a dano ao Erário Federal ou constituírem fraude à licitação custeada com recursos federais.” (TCU, Acórdão nº 239/2024 – Plenário, Rel. M. Benjamin Zymler, j. 21 de fevereiro de 2024; grifos nossos). 

8 De acordo com Thiago Marrara, a contratação da leniência como processo complexo abrange ao menos as seguintes fases: (a) a fase de qualificação, etapa em que as autoridades públicas recebem propostas de negociação do acordo; (b) a fase de negociação e de celebração, na qual as tratativas são realizadas e finalizadas com as assinaturas das partes; (c) fase de execução do acordo, cumprimento das obrigações contratuais estipuladas; (d) fase de avaliação do acordo, nela se verificam se os objetivos do acordo foram atingidos. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; MARRARA, Thiago. Lei Anticorrupção comentada. Maria Sylvia Di Pietro, Thiago Marrara (Coord.). 2ª ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2018). 

9 “Art. 12. A utilização pelo TCU de informações que tenham sido compartilhadas pela CGU/AGU previamente à assinatura do acordo de leniência observará necessariamente os seguintes limites: 

I – não utilização das informações recebidas contra a proponente; 

II – não utilização das informações recebidas para a responsabilização de outras pessoas físicas e jurídicas envolvidas nos ilícitos revelados pela proponente, até que se efetive a assinatura do acordo de leniência, exceto para apuração de ilícito em processo de controle externo no TCU em andamento e com prévia anuência da proponente nos termos do item 2 da terceira ação operacional do ACT; 

III – até que se efetive a assinatura do acordo de leniência, não utilização das informações recebidas para qualquer procedimento alheio ao previsto no ACT; 

IV – em caso de não celebração do acordo de leniência, os documentos apresentados durante a fase de negociação serão excluídos definitivamente das bases do TCU, para os fins previstos nos §§ 2º e 3º do art. 43 do Decreto nº 11.129, de 11 de julho de 2022, sendo vedado seu uso para qualquer finalidade; e 

V – O disposto no inciso anterior não impedirá que o TCU utilize indícios ou provas autônomas que tenham sido obtidas ou levadas ao seu conhecimento por qualquer outro meio” (grifamos). 

10 A unidade técnica responsável para atuar nos acordos de leniência, conforme o caso, submeterá ao(s) relator(es) do(s) processo(s) de controle externo pertinente(s) propostas de sobrestamento, arquivamento, instauração ou não instauração de processos.

11 Caso contrário, prevê a IN nº 94: “Art. 16. Caso os valores de ressarcimento previstos no acordo de leniência não contemplem os valores dos danos estimados pelo TCU e informados à CGU/AGU, nos termos do capítulo anterior, não haverá a quitação integral dos valores apurados nos processos de controle externo correspondentes no TCU, com o consequente prosseguimento destes ou instauração de tomada de contas especial, nesta hipótese, se presentes os pressupostos regimentais para tanto” (grifamos).

12 Como previsto no art. 15, §1º, da IN nº 94: “1º O Tribunal não aplicará medida sancionadora de sua competência à colaboradora relacionada aos ilícitos constantes do escopo do acordo de leniência, desde que a colaboradora se mantenha adimplente em relação às obrigações assumidas no acordo”. E como já decidido pelo STF: “4. Diante da sobreposição fática entre os ilícitos admitidos pelas colaboradoras perante a CGU/AGU e o objeto de apuração do controle externo, a possibilidade de o TCU impor sanção de inidoneidade pelos mesmos fatos que deram ensejo à celebração de acordo de leniência com a CGU/AGU não é compatível com o princípio constitucional da segurança jurídica e com a noção de proporcionalidade da pena. (…).7. Segurança concedida para afastar a possibilidade de o TCU declarar a inidoneidade das impetrantes pelos fatos abarcados por acordo de leniência firmado com a AGU/CGU ou com o MPF.” (STF, MS 35435, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 30 de março de 2021, p. em 2 de julho 2021; grifos nossos). 

13 Tal como apontado pelo voto condutor do ACÓRDÃO Nº 239/2024 – TCU – Plenário: “26. Não obstante, a incidência do princípio do non bis idem, especialmente após a inclusão do art. 22, § 3º, na LINDB, exige dos diversos órgãos estatais com poderes sancionatórios, a consideração de penas eventualmente aplicadas por outros, na dosimetria de sanções de mesma natureza relativas ao mesmo fato. (…).” (TCU, Acórdão nº 239/2024 – Plenário, Rel. M. Benjamin Zymler, j. 21 de fevereiro de 2024; grifos nossos). 

14 De acordo com Susan Rose-Ackerman e Bonnie J. Palifka, corrupção seria “o abuso de um poder delegado com a finalidade de obtenção de ganho privado” (ROSE-ACKERMAN, Susan e PALIFKA, Bonnie J. Corrupção e Governo. Causas, Consequências e Reforma (Português). São Paulo: FGV, 2020.).

Julgamento virtual e modulação de efeitos no STF 

É lugar comum dizer que a ferramenta virtual de julgamentos transformou substancialmente a vida dos Tribunais brasileiros e, em especial, do Supremo Tribunal Federal. Ao tempo da elaboração deste artigo, o painel de estatísticas da Corte registrava em 99,5% o percentual de participação do plenário virtual no total de julgamentos em 2024 – mesma marca de 2023. 

Especialmente a partir da pandemia, quando a ferramenta entrou de vez e a fórceps na vida dos jurisdicionados, os procedimentos virtuais têm sido objeto de constante debate e aprimoramento pelo STF. Por exemplo: (i) em 2020, foi substancialmente alterada a Resolução nº 642, editada no ano anterior, para dispor, dentre outros temas, sobre as hipóteses de destaque de julgamento virtual, assim como as opções de voto e a consequência da sua não declaração; (ii) ainda em 2020, com a Emenda Regimental nº 53, ampliaram-se as hipóteses de julgamento virtual, regulamentando o procedimento de sustentação oral; e (iii) em 2022, a Emenda Regimental nº 58, também se valendo do ambiente virtual de julgamento, definiu procedimentos para o fomento da colegialidade no Tribunal, como a convocação de sessões extraordinárias na modalidade virtual e a inclusão automática em sessão virtual das cautelares concedidas monocraticamente, a fim de que o seu referendo seja avaliado pelo colegiado competente. 

Até o momento, um tema parece ter ficado de fora dos aprimoramentos procedimentais e institucionais desses últimos anos. Refere-se à modulação de efeitos, que não foi especificamente contemplada na regulamentação do ambiente virtual de julgamentos. Ante o caminho normativo que hoje se encontra bem pavimentado, é o chegado o tempo de discuti-la. 

Como se sabe, a técnica é de especial valia no controle concentrado de constitucionalidade. Por meio dela, a corte constitucional pode delimitar os efeitos temporais de sua decisão, estabelecendo marcos específicos para a (in)validação de atos ligados ao objeto da ação examinada. Como se trata de questão costumeiramente aventada no curso do julgamento – muitas vezes, após formada a maioria pela invalidação do ato impugnado –, é comum referir-se a essas etapas sequenciais como ilustrativas do caráter bifásico dos julgamentos no controle de concentrado de constitucionalidade [1]: primeiro, colhem-se os votos sobre a (in)constitucionalidade do objeto da ação; após, se suscitado o tema, faz-se nova rodada para a coleta específica dos votos sobre modularem-se os efeitos da decisão. 

Em julgamentos presenciais, esse procedimento é, em regra, facilmente realizado. Caso trazida em algum voto, basta que o Presidente do colegiado indague a posição de cada integrante sobre a questão, seja na mesma assentada, seja em outra especificamente marcada para esse fim. 

No entanto, a mesma facilidade não se vê nos julgamentos virtuais. As atuais limitações do plenário virtual, na verdade, acabam permitindo indesejáveis situações de insegurança jurídica. Tomemos, por exemplo, caso em que a modulação de efeitos, embora veiculada no voto do Relator, não foi objeto de consideração específica por todos os Ministros. Nessa hipótese, a sessão virtual deveria ser suspensa para coleta individualizada de votos sobre a modulação ou seria possível entender que, não atingido o quórum, a proposta teria sido rejeitada – já que, constante do voto do Relator, ao qual todos têm acesso desde o início da sessão virtual, seria em tese possível presumir sua rejeição? 

Outro: e se a modulação for aventada por outro Ministro, que não o Relator, no curso do julgamento virtual e a sessão acabar sem que todos os demais integrantes tenham se manifestado especificamente sobre a proposta de delimitação dos efeitos temporais? Nesse caso, o julgamento deverá ser suspenso ou também seria legítimo presumir que a proposta foi rejeitada? 

Mais um: e se algum dos Ministros não se manifestar na sessão virtual e o quórum para se modularem os efeitos da decisão não for alcançado por esse motivo, deve ser designada nova sessão para a tomada específica desse voto faltante e potencialmente decisivo? 

Tais hipóteses não encontram resposta pronta nos atos que regulam o julgamento virtual no STF. Atualmente, as sessões virtuais não contam com nenhum campo de sinalização específica sobre proposta de modulação de efeitos suscitada em algum voto, nem se exige que os votantes se manifestem especificamente sobre o tema. Tampouco existe previsão expressa de se suspender a sessão e marcar nova assentada específica sobre o tema, embora essa medida já tenha sido tomada pela Presidência do STF [2]. 

Trata-se de mecanismos simples que poderiam ser implementados para o aprimoramento do plenário virtual, mas que precisam ser normatizados pelo Tribunal. Esperamos que esse debate seja em breve incluído na ordem do dia do Tribunal, para que o STF continue na boa trilha que vem percorrendo. 

[1] Cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 39ª ed. São Paulo: Grupo GEN, 2023, p. 877. 

[2] Cf. decisão do Ministro Luiz Fux na ADI nº 6.019, proferida em 23/04/2021 e publicada em 26/04/2021. 

Lei nº 14.801/2024: as debêntures de infraestrutura

Em janeiro deste ano, foi publicada a Lei nº 14.801/2024, que prevê uma fonte adicional de captação de recursos privados para o setor de infraestrutura.  

A Lei autoriza que concessionárias, permissionárias, autorizatárias ou arrendatárias, constituídas sob a forma de sociedade por ações – bem como as sociedades controladoras dessas empresas –, emitam debêntures (títulos de dívida da empresa) destinadas à implementação de projetos de investimento na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação. O detalhamento dos projetos nos quais os recursos poderão ser aplicados ainda está pendente de regulamentação específica, a qual, segundo o art. 2º, §2º, inciso III, deveria ter sido editada em até 30 dias após a publicação da Lei.1 

O projeto de lei que deu origem à norma foi apresentado em 2020, no contexto da pandemia de Covid-19, sob a justificativa de que a retração da economia, à época, incrementou os desafios e a demanda por investimentos no setor. A justificativa do projeto também esclarece que as “debêntures incentivadas” – disciplinadas na Lei nº 12.431/2011 – são diferentes das “debêntures de infraestrutura”: enquanto as primeiras centram benefícios fiscais na figura do investidor pessoa física, as debêntures de infraestrutura canalizam incentivos para a figura do emissor.   

De fato, segundo a Lei nº 14.801/2024, a pessoa jurídica emissora das debêntures de infraestrutura poderá (i) deduzir da apuração de lucro líquido o valor correspondente à soma dos juros pagos ou incorridos, e (ii) excluir, na determinação do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o valor correspondente a 30% da soma dos juros relativos às debêntures emitidas, pagos naquele exercício. Contudo, o benefício fiscal deverá ser avaliado anualmente e previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). 

O projeto de lei originário previa que a referida exclusão do valor correspondente a 30% da soma dos juros relativos às debêntures poderia ser majorada para 50% caso a debênture fosse destinada a financiar projetos de desenvolvimento sustentável certificados por entidade nacional ou internacional (os chamados greenbonds). Contudo, em sua redação final, a Lei se limitou a determinar que, nas hipóteses em que os valores captados com as debêntures sejam utilizados exclusivamente em projetos de investimento que proporcionem benefícios ambientais ou sociais relevantes, “serão objeto de avaliação externa específica para esse tipo de emissão, nos termos do regulamento”. Assim, essa hipótese também está pendente de regulamentação específica pelo Governo Federal.  

A Lei promoveu, ainda, alterações nas normas relativas aos fundos de investimento em infraestrutura (Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura – “FIP-IE” e Fundo de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – “FIP-PD&I”, instituídos pela Lei nº 11.478/2007). A título de exemplo, foi prevista a ampliação do rol de áreas consideradas de “infraestrutura” que podem ser objeto de investimentos em FIP-IE e FIP-PD&I  

As expectativas, portanto, são otimistas. Além de ampliar as possibilidades de aplicações para compor o patrimônio de fundos de investimento em infraestrutura,2 a Lei cria incentivos que podem levar as emissoras dos títulos a oferecerem taxas de juros mais competitivas para o mercado, o que pode fomentar investidores das mais variadas categorias. Para isso, contudo, é fundamental a célere regulamentação do diploma, não só exigida pelo legislador, mas necessária para estabelecer a segurança jurídica que deve permear tais operações.  

O que sobrou da indisponibilidade do interesse público?

O texto aborda a mudança na concepção sobre a indisponibilidade do interesse público no Direito Administrativo. Inicialmente restritiva, essa visão foi flexibilizada ao longo do tempo, culminando na aceitação de diversas formas de consensualidade. À luz dessas mudanças, o autor propõe a necessidade de se atualizar o vocabulário da disciplina para disponibilidade condicionada de interesses públicos.

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O uso das águas públicas e seus desafios para a infraestrutura: como regular o espelho d’água?

O texto discute os desafios regulatórios no uso de águas públicas, especialmente as controvérsias sobre a cobrança pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU) de preço público sobre o uso do espelho d’água. Defende a competência da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e a necessidade de uma primazia da regulação sistêmica sobre a gestão patrimonial isolada, a fim de garantir segurança jurídica e eficiência na abordagem dos problemas regulatórios.

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A política nacional de outorgas rodoviárias

Em outubro de 2023, o Ministério dos Transportes instituiu a Política Nacional de Outorgas Rodoviárias por meio da Portaria nº 995, que entrou em vigor em 1º de novembro. 

As rodovias federias vêm sendo concedidas desde 1993, com a criação do Programa de Concessões de Rodovias Federais, cujo objetivo era conceder ao setor privado a exploração de aproximadamente 25% dos 52 mil km de rodovias pavimentadas da rede rodoviária federal. Desde então, foram feitas quatro etapas de concessões, em 1994, 2007, 2013 e 2018. Em 2005, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) assumiu a regulação dos contratos das rodovias federais concedidas, até então a cargo do Ministério dos Transportes. Hoje, somam-se 26,7 mil km de rodovias concedidas1, e é interesse do Governo Federal aumentar expandir esses números2

A Política Nacional de Outorgas busca não só atrair mais investidores interessados nas concessões do país, mas trazer modernização, padronização e otimização aos contratos de concessão, incluindo melhores condições para o reequilíbrio daqueles já existentes. Nas palavras de George Santoro, Secretário Executivo do Ministério dos Transportes3, buscou-se criar um “contrato de gestão” entre o Ministério e a ANTT para facilitar novos contratos, por meio da formulação de projetos mais atrativos e otimização da gestão dos contratos antigos. 

A Política é abrangente e abarca disposições sobre: (i) os segmentos viários da malha a serem contemplados com soluções de parcerias; (ii) o modelo de parceria mais adequado a cada segmento viário; (iii) a política tarifária e premissas de pedagiamento; (iv) premissas macroeconômicas para a estruturação de novas parcerias; (v) prazo de concessão, modalidade de licitação, critério para definição do vencedor do certame e recursos aportados no projeto ao longo do prazo da concessão; (vi) a repartição de riscos entre o concessionário e o poder concedente; (vii) os níveis de serviço, padrões e parâmetros referentes à operação, ao atendimento ao usuário e à infraestrutura, de acordo com o trecho ou o período da concessão; (viii) incentivos ao desenvolvimento de uma infraestrutura viária resiliente, ambiental e economicamente sustentável; (ix) a instituição e o aprimoramento de mecanismos para o monitoramento contínuo e permanente dos investimentos realizados durante a concessão; (x) incentivo e à execução de investimentos obrigatórios com ganhos de prazo e melhor desempenho; e (xi) o incentivo de exploração de receitas acessórias pelas empresas concessionárias. 

O texto da Política não é totalmente inovador. Muitas das disposições previstas já constavam de normativos anteriores, como a Portaria nº 961, de 24 de novembro de 2017, do Ministro de Estado dos Transportes, Portos e Aviação Civil4, e a Portaria nº 1.061, de 15 de agosto de 20225, do Ministério da Infraestrutura. A Portaria nº 1.061/2022 já remetia, por exemplo: 

  • à política tarifária e às premissas de pedagiamento, com incentivos considerando oferta de infraestrutura diferenciada, tarifa variável de acordo com o horário ou período da cobrança, além do emprego e eventuais descontos a título de incentivo ao uso de novas tecnologias para cobrança (art. 1º, III); 
  • à repartição de riscos entre o concessionário e o poder concedente (art. 1º, VI);  
  • a níveis diferenciados de serviço, padrões e parâmetros referentes à operação, ao atendimento ao usuário e à infraestrutura, conforme a adoção de soluções técnicas, recursos tecnológicos ou sistemas inteligentes (art. 1º, VII); e 
  • a incentivos ao desenvolvimento de uma infraestrutura viária ambiental e economicamente sustentável (art. 1º, VIII). 

Vale destacar algumas das preocupações e temas trazidos pela Portaria nº 995/2023 que podem contribuir para a expansão das concessões e melhoria da governança de parcerias no setor rodoviário. A eles. 

POLÍTICA TARIFÁRIA E PREMISSAS DE PEDAGIAMENTO 

Uma das premissas gerais aos projetos de parceria é o privilégio à modicidade tarifária. Não a uma modicidade acrítica, compreendida como redução tarifária a todo e qualquer custo, mas uma modicidade que considere a racionalização de recursos e a sustentabilidade social e ambiental (art. 7º). Modicidade, ademais, que deve ser compreendida à luz da diretriz basilar da justiça tarifária, “sem que sua aplicação reduza a qualidade do serviço ofertado” (art. 13).  

Quanto ao pedagiamento, interessante notar o incentivo ao uso de tecnologia na cobrança do pedágio. Nesse sentido, são previstas a concessão de tarifas diferenciadas pelo uso de etiquetas eletrônicas (“tags”) (art. 13, § 2º) e um comando de implantação de sistemas de pedagiamento automático de livre passagem (“Free Flow”), se possível no início da operação ou, não o sendo, em tempo razoável, preferencialmente até o 5º ano (art. 13, § 4º). 

REPARTIÇÃO DE RISCOS ENTRE O CONCESSIONÁRIO E O PODER CONCEDENTE 

A Política avança ao trazer a obrigatoriedade de disciplina contratual de variações relevantes de tráfego e de custos de insumos (art. 14, I e II); impactos financeiros decorrentes de eventuais “evasões de pedágio” em projetos que prevejam o pagamento automático do pedágio (“Free Flow”) (art. 14, III); além do compartilhamento de riscos residuais (art. 14, V). 

São previsões salutares que traduzem aprendizados alcançados após discussões longas sobre desequilíbrios contratuais, as quais aumentaram sensivelmente os custos das partes pública e privada ao longo dos programas de concessões. Não há eficiência possível quando a repartição de riscos é irracional, a ponto de alocar no particular os ônus decorrentes de eventos que ele simplesmente não pode gerenciar. Isto é, ocorrências sobre as quais o parceiro privado não consegue interferir, a fim de adotar medidas de mitigação, e que sequer poderia antever ao tempo da elaboração de sua proposta.  

Sob essa ótica, andou bem a Portaria ao determinar, por exemplo, que os riscos de variações relevantes de demanda sejam compartilhados. Isso rompe com a máxima (equivocada) de que o risco de demanda deva caber sempre ao concessionário. Com a Covid-19, e.g., ficou claro que oscilações nessa variável podem não apenas decorrer de causas absolutamente alheias ao delegatário (e, no caso da pandemia, caracterizadoras de caso fortuito e força maior não segurável, categorias cujos riscos são usualmente alocados ao Poder Concedente), como podem causar impactos insuportáveis. Daí a importância de soluções endógenas ao arranho contratual que propiciem o tratamento célere e efetivo de contingências graves, em benefício da sustentabilidade do projeto. 

EXPLORAÇÃO DE RECEITAS ACESSÓRIAS 

Em reforço ao art. 11 da Lei nº 8.987/1995, a Política incentiva a exploração de receita extraordinária ou acessória decorrente da utilização da faixa de domínio pela própria concessionária, inclusive, e não se limitando, à comercialização de Pontos de Parada e Descanso (PPDs) (art. 14, §2º). A previsão reforça a relevância dessas receitas para modelagem de projetos atrativos e vantajosos, não apenas para as concessionárias, mas também para o Poder Concedente. Tais valores revertem em favor da modicidade e o contrato pode disciplinar como e quando os ganhos adicionais serão compartilhados.  

Mas é preciso levar a sério tais previsões. Isto é, oferecer credibilidade e segurança jurídica ao particular quanto à possibilidade efetiva de arrecadar tais receitas, incluindo o necessário conforto do ponto de vista normativo.  

Veja-se que o tema está na ordem do dia. Discute-se no Poder Judiciário se as concessionárias de rodovias têm o direito de cobrar pelo uso de suas faixas de domínio, com base no art. 11 da Lei nº 8.987/1995 e em seus contratos, quando os usuários forem outros prestadores de serviços públicos. Depois da consolidação de entendimento favorável a essa cobrança no âmbito do STJ, a discussão se reabriu no âmbito do STF, com entendimentos divergentes6. Sem dúvida, eventual reversão do entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça impactará a Política desenhada pelo Ministério dos Transportes e a própria dinâmica das parcerias nessa matéria. 

INCENTIVOS AO DESENVOLVIMENTO DE UMA INFRAESTRUTURA VIÁRIA RESILIENTE, AMBIENTAL E ECONOMICAMENTE SUSTENTÁVEL E AO USO DE NOVAS TECNOLOGIAS 

A Portaria nº 995/2023 aposta no investimento em tecnologia como caminho para promover a sustentabilidade e a responsabilidade socioambiental, que já eram trazidas como princípio pela Política Nacional de Transportes e como atributo de valor pelo Mapa Estratégico do Ministério da Infraestrutura7

Adotam-se como parâmetros operacionais e de desempenho de infraestrutura a promoção de inovações tecnológicas que otimizem os tempos de atendimento, reduzam custos e incentivem a sustentabilidade ambiental.  

São exemplos de iniciativas nesse sentido: a implantação de sistemas Free Flow; a substituição ou redução de Veículos de Inspeção de Tráfego (VITs); a redução de Circuitos Fechados de Televisão (CFTVs); a utilização de drones; a previsão de telemedicina; o uso de tecnologia 5G; a implantação de câmeras com reconhecimento ótico de caracteres (OCR) em locais estratégicos; a pesagem automática em movimento; e o estímulo à transição energética e uso de veículos elétricos, com adoção de, pelo menos, um ponto de recarga em cada posto de Serviço de Atendimento ao Usuário (SAL) e Ponto de Parada e Descanso (PPD) (art. 16, § 3º). 

OUTRAS DISPOSIÇÕES SOBRE SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE CORPORATIVA 

A Portaria inova também ao trazer critérios de governança social, condizentes com a Agenda ESG8, como a previsão de ações afirmativas de gênero e raça pelas concessionárias, incluindo: recrutamento diversificado com divulgação de vagas de emprego em canais de comunicação ao alcance de grupos em situações marginalizadas; promoção de progressão igualitária – programas de treinamento da empresa abrangendo oportunidades àqueles com menor nível de escolaridade; promoção de ambiente inclusivo – realização de treinamentos contra o preconceito e de sensibilização a políticas internas contra discriminação de raça e de gênero e assédios; e a adesão às políticas públicas de caráter social estabelecidas pelo Governo Federal (art. 19, caput e parágrafo único). 

DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS PARA A ELABORAÇÃO E APROVAÇÃO DOS PROJETOS DE PARCERIA E PLANOS DE OUTORGA 

Na estrutura anterior, estabelecida pela Portaria nº 1.061/2022, a propositura, implementação e monitoramento da política de outorgas cabia à Secretaria Nacional de Transportes Terrestres, em articulação com a Secretaria de Fomento, Planejamento e Parcerias. 

Na Portaria nº 995/2023, a contratação dos Projetos de Parceria fica a cargo do Ministério dos Transportes (art. 21). Os estudos são submetidos às contribuições da sociedade por meio de audiências públicas pela ANTT (art. 23). Com base nos Projetos, a ANTT elabora os Planos de Outorga (art. 26), que já faziam parte da sua competência, e que devem ser aprovados pelo Ministro de Estado dos Transportes e submetidos à análise do Tribunal de Contas da União (art. 30). 

Nesse quesito, não há grandes alterações. Também não há uma divisão mais clara de funções ou o esclarecimento de quais são as unidades responsáveis pelas decisões técnicas e políticas. Faltou à Portaria uma atribuição mais clara quanto as atribuições de cada ente. 

CONCLUSÃO 

A Portaria nº 995/2023 traz inovações interessantes e aposta na tecnologia, tudo em linha com as propostas mais recentes da agenda ESG. É mais um passo, que já vinha sendo construído pela normativa anterior, no sentido do fomento ao investimento em concessões rodoviárias.  

Para que “saia do papel”, há ainda esforços importantes a serem feitos. Mas não se pode negar caráter normativo à Resolução, recheada de comandos – basta ver quem “deverá” fazer algo, quais órgãos “deverão” obedecer a determinadas pautas, e assim por diante. Fiscalizemos. E cobremos.  

Direito Administrativo: entre justificação e operacionalização

Nosso sócio Gustavo Binenbojm publicou o artigo “Direito Administrativo: entre justificação e operacionalização” no último volume da Revista Estudos Institucionais. 

Segundo Gustavo, “[o] direito administrativo tem experimentado alterações significativas  em seus alicerces teóricos desde a sua criação como disciplina jurídica autônoma”. E há duas importantes vertentes dessa transformação, nem sempre coordenadas ou conectadas: “de um lado, um giro democrático-constitucional; de outro, um giro pragmático, que atuam como molas propulsoras de mudanças em seus institutos mais tradicionais”.

Leia o artigo na íntegra clicando aqui.